quarta-feira, 28 de abril de 2010

cena 21

Quarto de Lili.
Lili está à janela, a olhar para a rua, em baixo.

Lili Umas vezes são engraçadas. Outras são tristes. Às vezes são maravilhosas. Outras vezes são péssimas. Mas são sempre só histórias.


Fim.

Cena 20

Na rua.
Dara, Jimmy, Rato e Guerra estão a discutir por causa da pistola – precisamente como na primeira cena.

Jimmy Deixa cá ver.
Guerra Dara! Atira!
Rato Dara, não atires.

Dara atira a pistola a Jimmy, que a apanha.

Jimmy Fónix… não é lá muito leve. Que beleza, Rato – já não as fazem como dantes, pois não?
Rato Ha! ha!

Jimmy atira a pistola a Guerra, que a apanha.

Rato Parem já com isso!
Guerra Ouve lá, Jimmy, parece-me que esta cena ainda é capaz de fazer muitos estragos.

Guerra atira a pistola a Dara, que a apanha.

Dara Sim, se a atirares a alguém com força…
Jimmy Ou se a meteres pelas goelas abaixo dum pobre coitado.

Dara atira a pistola a Jimmy.

Rato Anormais.

Jimmy atira-a a Guerra outra vez.

Jimmy Ai agora somos anormais?

Guerra puxa Rato para si. Imobiliza-o com uma chave, colocando-lhe um braço à volta do pescoço e aponta-lhe a pistola à cabeça.

Guerra Repete lá isso, ó cara de cu. Diz isso outra vez.

Dara ri-se.

Jimmy Vá lá, Guerra!

Rato afasta Guerra com um empurrão.

Rato Hilariante. Por muito que este humor relacionado com armas seja do meu agrado, a pistola é minha e quero que ma entreguem já, por favor.
Guerra Sim, tens razão, desculpa lá.

Guerra aproxima-se de Rato para lhe entregar a pistola. No último momento, arranca-lha bruscamente das mãos e atira-a a Dara.

Dara Como um patinho!
Rato Cabrões. São todos uns cabrões. Aqui à minha frente, só cabrões. É isso que tenho à frente. A elite dos cabrões.

Bela aparece na rua a ler um livro. Sem a ver, Dara recua com a pistola na mão.

Dara Ai queres a pistola? Queres a pistola, Rato? Toma lá.

Dara atira a pistola a Jimmy. Nesse preciso momento, ainda a andar para trás, tropeça em Bela, que deixa cair o livro.

Dara Porra, desculpa.
Bela Não faz mal.

Dara apanha o livro e entrega-o a Bela. Os rapazes continuam a discutir entre eles.

Dara Outra vez a ler, Bela?
Bela Não é proibido.
Dara Mas olha que é perigoso – quer dizer, viste o que aconteceu – a sorte é que nenhuma de nós se magoou.
Guerra Dara!

Guerra atira a pistola para Dara – ela apanha-a.

Bela Ler é perigoso mas andar para aí a brincar com uma pistola carregada não tem perigo nenhum, claro está.
Dara Esta cena? Isto não é uma pistola – é uma peça de museu. Nem sequer funciona…

Dara ergue o braço com a arma.

Rato Cuidado, Dara.
Dara Não está carregada.

Dara dispara. Não acontece nada.

Dara (a rir) Estás a ver!
Jimmy Acho que o Rato se cagou todo.
Rato Não caguei nada.

Rato corre para Dara e arranca-lhe a arma das mãos.

Guerra Por vinte euros, dou-te o meu cinto, Rato – é mais perigoso do que esta cena.
Jimmy Até uma meia é mais perigosa.

Riem-se todos, menos Rato.

Rato Estes palhaços têm tanta piadinha, não têm?

Bela olha para um apartamento de um prédio atrás deles.

Bela Olha, olha. A Condessa está outra vez à janela.
Dara O quê?

Jimmy olha também.

Jimmy Lá está ela, sim senhor. Nem sequer disfarça. Puta sinistra.

Jimmy faz o gesto com o dedo médio para o apartamento. Rato aponta para lá a pistola.

Rato A próxima és tu, Branca de Neve!
Guerra Para que porra é que estás a olhar?
Dara Deixa-a em paz.
Jimmy O quê?
Dara Não está a fazer nada de mal, pois não?

Os rapazes e Bela começam a afastar-se – Dara fica para trás, a olhar com atenção para a janela de Lili.

Jimmy Vens, Dara?
Dara Já vou.

Dara vai atrás deles.

Cena 19

Quarto de Lili.
Bela está amarrada a uma cadeira no centro do quarto. Tem as mãos e os pés atados e está amordaçada. Lili aponta-lhe uma pistola. Entra Dara.

Dara Lili…
Lili Ela sabe. Viu-te. Viu-te a fugir. Sabe o que fizeste.
Dara Não podes fazer isto, Lili…
Lili Tem de ser. Ela pode contar a alguém.
Dara Ela não vai dizer nada a ninguém. Não vais, pois não, Bela?

Cheia de medo, Bela diz que não com a cabeça.

Lili Como se ela fosse dizer outra coisa.
Dara Eu confio nela.
Lili Não devias.
Dara Pousa isso, Lili.
Lili Estou a tentar proteger-te, Dara.
Dara Não preciso da tua protecção. Lili, olha para mim…

Lili olha para Dara.

Dara Ouve. Isto é um disparate. Não podes ir para a frente com isto. Sabes tão bem quanto eu. Pousa isso

Lili baixa a pistola.

Dara Toda gente sabe que ela está aqui, Lili. Todos a viram subir. Se acontecer alguma coisa, vão saber que foste tu, Lili. Vais para a prisão.
Lili Na prisão já eu estou.
Dara Isto não é um jogo.
Lili Eu sei.
Dara Vamos acabar com isto.
Lili Sim, já é tempo de acabar. Estou cansada. Acho que estamos a chegar ao fim.

Muito depressa, Lili aponta a pistola à cabeça de Dara.

Lili Bela, parece que, antes de morrer, o Zé sorriu. Sorriu porque ia finalmente sair daqui. Sorriu porque ia fugir, fugir desta pasmaceira, desta monotonia, desta merda toda – ia-se embora.

Lili dispara a pistola e dá um tiro na cabeça de Dara. Dara cai. Depois, Lili vira a pistola para si própria.

Lili Olha para mim, Bela. Olha para mim a sorrir.

As luzes apagam-se. Ouve-se um segundo tiro. Na escuridão, falam Jacob e Lili.

Jacob Nunca há nada para fazer aqui. Nada para fazer, nenhum sítio para onde ir. Estamos sempre para aqui sentados, à espera de alguma coisa, à espera que alguma coisa aconteça. Nunca acontece. Nunca acontece nada na Belavista.

Lili Invento histórias. Sou assim.

cena 18

Apartamento de Bela.

Jacob Na noite em que o coitado do Zé Pote morreu prematuramente, Lili reparou numa coisa que a preocupa desde essa altura. Da janela, quando viu a Dara sair à pressa pela porta da frente do Zé e descer as escadas do prédio, apercebeu-se de que não era a única que estava à espreita.

Bela sai do quarto com uma lanterna e um livro.

A Bela, que partilha o quarto com as três irmãs, tinha ido para a varanda para poder ler em paz e sossego, à luz da lanterna.

Na varanda, Bela senta-se e começa a ler – vê qualquer coisa ao longe que lhe chama a atenção. Fica a olhar.

Na altura, ficou intrigada e confusa… aquilo não fazia sentido… só dias depois é que percebeu o que tinha acontecido naquela noite, o que a Dara tinha feito. Só que a Bela ainda não tinha decidido se se sentia horrorizada ou entusiasmada com tudo aquilo.

cena 17

Na rua.
Jimmy, Jacob, Guerra e Rato estão a jogar futebol. Dara passa por eles.

Jimmy Parece que afinal ela já se fartou de ti, Dara?
Dara Foda-se, Jimmy! Estás a quebrar o teu voto de silêncio?
Jimmy Estás a reagir bem à coisa.
Dara De que é que estás para aí a falar?
Jimmy Ainda não soubeste.
Dara É óbvio que não faço a mínima ideia do que estás para aí a ladrar. Vais continuar para aí a esguichar merda ou vais explicar-te, porra?
Jimmy A tua amiga Condessa…
Dara Ela chama-se Lili.
Jimmy Parece que agora tem uma nova melhor amiga. Largou-te como se fosses uma batata quente.
Dara O quê?
Jimmy Passou a manhã toda a fazer sinais para a Bela. Ela está lá agora.
Dara A Bela está no quarto da Lili. O quê? Agora?
Jimmy Porra, deve ser duro quando até alguém sempre para ali sozinho se cansa de nós, Dara.

Jimmy ri-se. Dara sai dali a correr.

Jimmy Dara… Dara… anda cá…
Dara Desaparece, Jimmy, vai morrer longe.

cena 16

Sala de estar de Zé e Tó.
Os irmãos estão sentados em frente ao televisor, a assistir à extracção dos números do Euromilhões. Discussão acalorada.

Zé Vais-me aparecer a chorar: «Deixa-me entrar, Zé… por favor, Zé… desculpa.» E eu vou dizer: «Vai-te foder – bem te disse para não comprares o barco…»
Tó Iate… é a merda de um iate e não vou precisar de rastejar aos teus pés. Vai ser precisamente o contrário. Tu é que me vais implorar para te deixar ficar…
Zé Nem pensar!
Tó Vais ver. Vais ter de implorar quando a tua mansão arder.
Zé A minha mansão não vai arder.
Tó Isso é que vai. A tua cerca electrificada vai explodir devido a uma falha técnica e a tua casa vai arder.
Zé A minha cerca electrificada não tem problema nenhum.
Tó Tem um defeito de fabrico!
Zé Cala-me essa boca!
Tó O fogo vai destruir tudo.
Zé Ca-la-te.
Tó Vais ficar sem nada outra vez.
Zé Pára com isso.
Tó Sem nada, nada, nada.

Zé dá um murro a Tó, derrubando-o. Silêncio.
Tó permanece no chão por um momento antes de se sentar e apertar a cabeça, cheio de dores.

Zé Desc… meu Deus, Tó, eu não queria…
Tó Que é que a Mamã disse?
Zé Eu sei…
Tó Foi a única coisa que a Mamã nos pediu, Zé.
Zé Desculpa.
Tó Que é que adianta pedir desculpa? Para que é que isso serve agora? Está tudo estragado, Zé. Não cumprimos a promessa. O último desejo da nossa mãezinha querida.
Zé Não devia ter reagido assim. Não devia ter perdido a cabeça.
Tó Pois não, não devias.

Tó levanta-se e prepara-se para sair da sala de estar.

Zé Onde é que vais, Tó?
Tó Vou-me embora, Zé. Nem sequer consigo olhar para ti. Não aguento estar na mesma sala que tu. Nunca mais te quero ver.
Jacob De facto, nunca mais o viu – mas se o Tó tivesse adivinhado que estava a falar com o irmão pela última vez, talvez tivesse escolhido melhor as palavras.

Cena 15

Quarto de Lili.
Dara e Lili estão sentadas a olhar pela janela.

Lili Nem acredito que mataste o Zé Pote.
Dara Podes parar de repetir isso?
Lili Desculpa.
Dara De qualquer maneira, a culpa foi toda tua. «Tenho a certeza de que há ali um corpo, Dara.» (tempo) Corpo, merda nenhuma.
Lili Tu é que o empurraste pelas escadas abaixo.
Dara Não o empurrei – foi um acidente. Como é que eu podia empurrá-lo pelas escadas abaixo? Quer dizer, ouve lá…

Dara aponta para a rua.

Dara Olha-me para o tamanho daquele caixão. Achas que sou a porra da supermulher?
Lili Veio imensa gente.
Dara Pois, não há nada de que a malta daqui goste mais do que de um bom funeral. Gatos pingados.
Lili Quem é que o encontrou?
Dara Foi o Sansão, dono da loja – achou estranho que ele não tivesse ido buscar o jornal. O Zé ia sempre buscar o jornal.

Tempo.

Dara Ainda bem que o funeral é hoje. Pelo menos acaba tudo aqui. Depois de estar enterrado, não há nada a fazer…
Lili Podem desenterrá-lo.
Dara Mas porque é que haviam de o desenterrar?
Lili Sei lá.
Dara Então porque é que disseste isso?
Lili Não, tens razão. Porque é que haviam de o desenterrar? Toda a gente acha que foi um acidente.
Dara E foi!
Lili Pois. Eu sei.
Dara Vê lá o que dizes, Lili – tenho andado com uns nervos de merda.
.
Assistem à passagem do cortejo fúnebre durante mais alguns momentos.

Lili Como é que foi?
Dara Que é que queres dizer com isso?
Lili Quando o viste lá no chão. Quando o viste a morrer. Que é que sentiste?
Dara Foi tudo tão rápido, Lili. Se bem que….
Lili Se bem que o quê?
Dara Tenho a certeza de que vi um sorrisinho nos lábios dele – mesmo antes de bater a bota – como se estivesse a pensar: «Agora é que é, vou-me embora daqui, vou finalmente fugir da parvónia.»

Observam outra vez o cortejo fúnebre.

Lili Aquele não é o teu irmão?
Dara Iá, o meu irmão e companhia limitada.
Lili Continua sem te falar?
Dara Continua.
Lili Tudo por minha causa.
Dara Tudo por ele ser um parvalhão, Lili.

Dara repara em qualquer coisa.

Dara Meu Deus!
Lili Que foi?
Dara Olha quem apareceu!
Lili Quem?
Dara Atrás do meu irmão. Aquele gajo grande. Grande e gordo – muito parecido com o que agora está dentro do caixão – só que sem óculos.

Lili apercebe-se do erro que cometeu.

Lili Oh. Se calhar enganei-me.
Dara Achas?
Jacob Nunca cheguei ao fim desta história.