quarta-feira, 28 de abril de 2010

cena 21

Quarto de Lili.
Lili está à janela, a olhar para a rua, em baixo.

Lili Umas vezes são engraçadas. Outras são tristes. Às vezes são maravilhosas. Outras vezes são péssimas. Mas são sempre só histórias.


Fim.

Cena 20

Na rua.
Dara, Jimmy, Rato e Guerra estão a discutir por causa da pistola – precisamente como na primeira cena.

Jimmy Deixa cá ver.
Guerra Dara! Atira!
Rato Dara, não atires.

Dara atira a pistola a Jimmy, que a apanha.

Jimmy Fónix… não é lá muito leve. Que beleza, Rato – já não as fazem como dantes, pois não?
Rato Ha! ha!

Jimmy atira a pistola a Guerra, que a apanha.

Rato Parem já com isso!
Guerra Ouve lá, Jimmy, parece-me que esta cena ainda é capaz de fazer muitos estragos.

Guerra atira a pistola a Dara, que a apanha.

Dara Sim, se a atirares a alguém com força…
Jimmy Ou se a meteres pelas goelas abaixo dum pobre coitado.

Dara atira a pistola a Jimmy.

Rato Anormais.

Jimmy atira-a a Guerra outra vez.

Jimmy Ai agora somos anormais?

Guerra puxa Rato para si. Imobiliza-o com uma chave, colocando-lhe um braço à volta do pescoço e aponta-lhe a pistola à cabeça.

Guerra Repete lá isso, ó cara de cu. Diz isso outra vez.

Dara ri-se.

Jimmy Vá lá, Guerra!

Rato afasta Guerra com um empurrão.

Rato Hilariante. Por muito que este humor relacionado com armas seja do meu agrado, a pistola é minha e quero que ma entreguem já, por favor.
Guerra Sim, tens razão, desculpa lá.

Guerra aproxima-se de Rato para lhe entregar a pistola. No último momento, arranca-lha bruscamente das mãos e atira-a a Dara.

Dara Como um patinho!
Rato Cabrões. São todos uns cabrões. Aqui à minha frente, só cabrões. É isso que tenho à frente. A elite dos cabrões.

Bela aparece na rua a ler um livro. Sem a ver, Dara recua com a pistola na mão.

Dara Ai queres a pistola? Queres a pistola, Rato? Toma lá.

Dara atira a pistola a Jimmy. Nesse preciso momento, ainda a andar para trás, tropeça em Bela, que deixa cair o livro.

Dara Porra, desculpa.
Bela Não faz mal.

Dara apanha o livro e entrega-o a Bela. Os rapazes continuam a discutir entre eles.

Dara Outra vez a ler, Bela?
Bela Não é proibido.
Dara Mas olha que é perigoso – quer dizer, viste o que aconteceu – a sorte é que nenhuma de nós se magoou.
Guerra Dara!

Guerra atira a pistola para Dara – ela apanha-a.

Bela Ler é perigoso mas andar para aí a brincar com uma pistola carregada não tem perigo nenhum, claro está.
Dara Esta cena? Isto não é uma pistola – é uma peça de museu. Nem sequer funciona…

Dara ergue o braço com a arma.

Rato Cuidado, Dara.
Dara Não está carregada.

Dara dispara. Não acontece nada.

Dara (a rir) Estás a ver!
Jimmy Acho que o Rato se cagou todo.
Rato Não caguei nada.

Rato corre para Dara e arranca-lhe a arma das mãos.

Guerra Por vinte euros, dou-te o meu cinto, Rato – é mais perigoso do que esta cena.
Jimmy Até uma meia é mais perigosa.

Riem-se todos, menos Rato.

Rato Estes palhaços têm tanta piadinha, não têm?

Bela olha para um apartamento de um prédio atrás deles.

Bela Olha, olha. A Condessa está outra vez à janela.
Dara O quê?

Jimmy olha também.

Jimmy Lá está ela, sim senhor. Nem sequer disfarça. Puta sinistra.

Jimmy faz o gesto com o dedo médio para o apartamento. Rato aponta para lá a pistola.

Rato A próxima és tu, Branca de Neve!
Guerra Para que porra é que estás a olhar?
Dara Deixa-a em paz.
Jimmy O quê?
Dara Não está a fazer nada de mal, pois não?

Os rapazes e Bela começam a afastar-se – Dara fica para trás, a olhar com atenção para a janela de Lili.

Jimmy Vens, Dara?
Dara Já vou.

Dara vai atrás deles.

Cena 19

Quarto de Lili.
Bela está amarrada a uma cadeira no centro do quarto. Tem as mãos e os pés atados e está amordaçada. Lili aponta-lhe uma pistola. Entra Dara.

Dara Lili…
Lili Ela sabe. Viu-te. Viu-te a fugir. Sabe o que fizeste.
Dara Não podes fazer isto, Lili…
Lili Tem de ser. Ela pode contar a alguém.
Dara Ela não vai dizer nada a ninguém. Não vais, pois não, Bela?

Cheia de medo, Bela diz que não com a cabeça.

Lili Como se ela fosse dizer outra coisa.
Dara Eu confio nela.
Lili Não devias.
Dara Pousa isso, Lili.
Lili Estou a tentar proteger-te, Dara.
Dara Não preciso da tua protecção. Lili, olha para mim…

Lili olha para Dara.

Dara Ouve. Isto é um disparate. Não podes ir para a frente com isto. Sabes tão bem quanto eu. Pousa isso

Lili baixa a pistola.

Dara Toda gente sabe que ela está aqui, Lili. Todos a viram subir. Se acontecer alguma coisa, vão saber que foste tu, Lili. Vais para a prisão.
Lili Na prisão já eu estou.
Dara Isto não é um jogo.
Lili Eu sei.
Dara Vamos acabar com isto.
Lili Sim, já é tempo de acabar. Estou cansada. Acho que estamos a chegar ao fim.

Muito depressa, Lili aponta a pistola à cabeça de Dara.

Lili Bela, parece que, antes de morrer, o Zé sorriu. Sorriu porque ia finalmente sair daqui. Sorriu porque ia fugir, fugir desta pasmaceira, desta monotonia, desta merda toda – ia-se embora.

Lili dispara a pistola e dá um tiro na cabeça de Dara. Dara cai. Depois, Lili vira a pistola para si própria.

Lili Olha para mim, Bela. Olha para mim a sorrir.

As luzes apagam-se. Ouve-se um segundo tiro. Na escuridão, falam Jacob e Lili.

Jacob Nunca há nada para fazer aqui. Nada para fazer, nenhum sítio para onde ir. Estamos sempre para aqui sentados, à espera de alguma coisa, à espera que alguma coisa aconteça. Nunca acontece. Nunca acontece nada na Belavista.

Lili Invento histórias. Sou assim.

cena 18

Apartamento de Bela.

Jacob Na noite em que o coitado do Zé Pote morreu prematuramente, Lili reparou numa coisa que a preocupa desde essa altura. Da janela, quando viu a Dara sair à pressa pela porta da frente do Zé e descer as escadas do prédio, apercebeu-se de que não era a única que estava à espreita.

Bela sai do quarto com uma lanterna e um livro.

A Bela, que partilha o quarto com as três irmãs, tinha ido para a varanda para poder ler em paz e sossego, à luz da lanterna.

Na varanda, Bela senta-se e começa a ler – vê qualquer coisa ao longe que lhe chama a atenção. Fica a olhar.

Na altura, ficou intrigada e confusa… aquilo não fazia sentido… só dias depois é que percebeu o que tinha acontecido naquela noite, o que a Dara tinha feito. Só que a Bela ainda não tinha decidido se se sentia horrorizada ou entusiasmada com tudo aquilo.

cena 17

Na rua.
Jimmy, Jacob, Guerra e Rato estão a jogar futebol. Dara passa por eles.

Jimmy Parece que afinal ela já se fartou de ti, Dara?
Dara Foda-se, Jimmy! Estás a quebrar o teu voto de silêncio?
Jimmy Estás a reagir bem à coisa.
Dara De que é que estás para aí a falar?
Jimmy Ainda não soubeste.
Dara É óbvio que não faço a mínima ideia do que estás para aí a ladrar. Vais continuar para aí a esguichar merda ou vais explicar-te, porra?
Jimmy A tua amiga Condessa…
Dara Ela chama-se Lili.
Jimmy Parece que agora tem uma nova melhor amiga. Largou-te como se fosses uma batata quente.
Dara O quê?
Jimmy Passou a manhã toda a fazer sinais para a Bela. Ela está lá agora.
Dara A Bela está no quarto da Lili. O quê? Agora?
Jimmy Porra, deve ser duro quando até alguém sempre para ali sozinho se cansa de nós, Dara.

Jimmy ri-se. Dara sai dali a correr.

Jimmy Dara… Dara… anda cá…
Dara Desaparece, Jimmy, vai morrer longe.

cena 16

Sala de estar de Zé e Tó.
Os irmãos estão sentados em frente ao televisor, a assistir à extracção dos números do Euromilhões. Discussão acalorada.

Zé Vais-me aparecer a chorar: «Deixa-me entrar, Zé… por favor, Zé… desculpa.» E eu vou dizer: «Vai-te foder – bem te disse para não comprares o barco…»
Tó Iate… é a merda de um iate e não vou precisar de rastejar aos teus pés. Vai ser precisamente o contrário. Tu é que me vais implorar para te deixar ficar…
Zé Nem pensar!
Tó Vais ver. Vais ter de implorar quando a tua mansão arder.
Zé A minha mansão não vai arder.
Tó Isso é que vai. A tua cerca electrificada vai explodir devido a uma falha técnica e a tua casa vai arder.
Zé A minha cerca electrificada não tem problema nenhum.
Tó Tem um defeito de fabrico!
Zé Cala-me essa boca!
Tó O fogo vai destruir tudo.
Zé Ca-la-te.
Tó Vais ficar sem nada outra vez.
Zé Pára com isso.
Tó Sem nada, nada, nada.

Zé dá um murro a Tó, derrubando-o. Silêncio.
Tó permanece no chão por um momento antes de se sentar e apertar a cabeça, cheio de dores.

Zé Desc… meu Deus, Tó, eu não queria…
Tó Que é que a Mamã disse?
Zé Eu sei…
Tó Foi a única coisa que a Mamã nos pediu, Zé.
Zé Desculpa.
Tó Que é que adianta pedir desculpa? Para que é que isso serve agora? Está tudo estragado, Zé. Não cumprimos a promessa. O último desejo da nossa mãezinha querida.
Zé Não devia ter reagido assim. Não devia ter perdido a cabeça.
Tó Pois não, não devias.

Tó levanta-se e prepara-se para sair da sala de estar.

Zé Onde é que vais, Tó?
Tó Vou-me embora, Zé. Nem sequer consigo olhar para ti. Não aguento estar na mesma sala que tu. Nunca mais te quero ver.
Jacob De facto, nunca mais o viu – mas se o Tó tivesse adivinhado que estava a falar com o irmão pela última vez, talvez tivesse escolhido melhor as palavras.

Cena 15

Quarto de Lili.
Dara e Lili estão sentadas a olhar pela janela.

Lili Nem acredito que mataste o Zé Pote.
Dara Podes parar de repetir isso?
Lili Desculpa.
Dara De qualquer maneira, a culpa foi toda tua. «Tenho a certeza de que há ali um corpo, Dara.» (tempo) Corpo, merda nenhuma.
Lili Tu é que o empurraste pelas escadas abaixo.
Dara Não o empurrei – foi um acidente. Como é que eu podia empurrá-lo pelas escadas abaixo? Quer dizer, ouve lá…

Dara aponta para a rua.

Dara Olha-me para o tamanho daquele caixão. Achas que sou a porra da supermulher?
Lili Veio imensa gente.
Dara Pois, não há nada de que a malta daqui goste mais do que de um bom funeral. Gatos pingados.
Lili Quem é que o encontrou?
Dara Foi o Sansão, dono da loja – achou estranho que ele não tivesse ido buscar o jornal. O Zé ia sempre buscar o jornal.

Tempo.

Dara Ainda bem que o funeral é hoje. Pelo menos acaba tudo aqui. Depois de estar enterrado, não há nada a fazer…
Lili Podem desenterrá-lo.
Dara Mas porque é que haviam de o desenterrar?
Lili Sei lá.
Dara Então porque é que disseste isso?
Lili Não, tens razão. Porque é que haviam de o desenterrar? Toda a gente acha que foi um acidente.
Dara E foi!
Lili Pois. Eu sei.
Dara Vê lá o que dizes, Lili – tenho andado com uns nervos de merda.
.
Assistem à passagem do cortejo fúnebre durante mais alguns momentos.

Lili Como é que foi?
Dara Que é que queres dizer com isso?
Lili Quando o viste lá no chão. Quando o viste a morrer. Que é que sentiste?
Dara Foi tudo tão rápido, Lili. Se bem que….
Lili Se bem que o quê?
Dara Tenho a certeza de que vi um sorrisinho nos lábios dele – mesmo antes de bater a bota – como se estivesse a pensar: «Agora é que é, vou-me embora daqui, vou finalmente fugir da parvónia.»

Observam outra vez o cortejo fúnebre.

Lili Aquele não é o teu irmão?
Dara Iá, o meu irmão e companhia limitada.
Lili Continua sem te falar?
Dara Continua.
Lili Tudo por minha causa.
Dara Tudo por ele ser um parvalhão, Lili.

Dara repara em qualquer coisa.

Dara Meu Deus!
Lili Que foi?
Dara Olha quem apareceu!
Lili Quem?
Dara Atrás do meu irmão. Aquele gajo grande. Grande e gordo – muito parecido com o que agora está dentro do caixão – só que sem óculos.

Lili apercebe-se do erro que cometeu.

Lili Oh. Se calhar enganei-me.
Dara Achas?
Jacob Nunca cheguei ao fim desta história.

Cena 14

Noite. Casa de Zé e Tó.

Jacob Começa-se com uma ideia mesmo estúpida – sei lá, entrar ilegalmente na casa de um vizinho enquanto ele está no Bingo, para procurar o corpo do gémeo assassinado. Depois é só pôr em prática essa ideia estúpida.

Entra Dara. Começa a remexer em tudo.

Jacob Depois de meia hora ali a vasculhar, apesar de só se ter conseguido encontrar um carregamento de chocolates de leite Cadbury e uma caixa de pornografia «especializada»…

Dara olha para dentro de uma caixa.

Dara Que nojo! Porcalhão.
Jacob Apanha-se um susto quando, inesperadamente, se ouve uma chave a rodar na fechadura e se percebe que o vizinho veio para casa mais cedo.

Entra Zé, a cantarolar.

Dara (sussurrando) Merda, foda-se, colhões, merda, merda, colhões.
Jacob A única solução é subir pelas escadas, procurar um esconderijo no quarto dele, e só tentar fugir quando o caminho estiver livre.

Zé olha para a sala de estar.

Zé Que merda se passa aqui?
Jacob Infelizmente, o vizinho não é cego…

Zé olha para a sala de estar em pantanas.

Zé (aos berros) Eu sei que estás aí. Sei que ainda estás aí, meu filho da puta. Sai de onde estás, cabrão de merda – anda cá e porta-te como um homem!
Jacob O pânico instala-se. Só se pensa em sair dali para fora. Sai-se do quarto a correr, mas o vizinho, agora furioso, como seria de esperar, intercepta-nos ao cimo das escadas.

Zé e Dara ficam frente a frente.

Zé A que merda é que pensas que estás a brincar?
Jacob Não foi de propósito – a intenção era só dar-lhe um encontrão para conseguir fugir, nada mais. Ninguém queria que ele perdesse o equilíbrio, caísse para trás e batesse com a cabeça grande, gorda e pesada em todos os degraus. Depois fica-se para ali a olhar para ele, que deixou de respirar, não se mexe, fica-se para ali a pensar…
Dara Mas que grandessíssima merda!

Cena 13

Quarto de Lili.
Lili está deitada na cama, Dara está sentada à janela, como antes.

Dara Não sei.
Lili Só te estou a dizer o que acho.
Dara Não me parece que o Zé seja capaz de matar.
Lili Porque não?
Dara É demasiado choninhas.
Lili Então o Tó desapareceu sem mais nem menos? Quarenta e tal anos a viver no mesmo sítio, desempregado e gordo, decidiu de repente partir em viagem – levantou o rabo e fez pela vida.
Dara Mas se o Zé o matou, que é que fez ao corpo? Estamos a vigiar o apartamento há dias – se ele tivesse tentado despachar aquele corpo com obesidade mórbida, tínhamos visto de certeza.
Lili O corpo… o corpo ainda deve estar no apartamento.
Dara Tretas.
Lili Aposto o que quiseres, Dara.
Dara Não estás a brincar, pois não?
Lili O corpo está lá. Tenho a certeza.
Dara Podes ter a certeza, mas não consegues provar.
Lili Consigo, se tu ajudares.
Jacob Metermo-nos numa situação incrivelmente horrível e ligeiramente surrealista é muito mais fácil do que à primeira vista pode parecer.

Cena 12

Sala de estar de Zé e Tó.

Jacob Nessa noite, quando se preparavam para assistir aos resultados na televisão, a tensão e a excitação eram palpáveis.

Zé passa um prato de bolachas de chocolate a Tó.

Zé Vai uma bolacha?
Tó Fixe.

Vêem televisão.

Voz do Apresentador Esta noite o jackpot perfaz um total de… estão preparados?… Dez Milhões de Euros, Senhoras e Senhores… Então que tal?

Tó Porra, não posso com este gajo!
Zé Eu também não, Tó.
Tó Se há gajo com que embirro, é este, Zé.
Zé Porra de paneleiro bronzeado. (tempo) Mais chá?
Tó Obrigadíssimo, querido.
Zé Mas, quer dizer… se me passasse para a mão um cheque de dez milhões…
Tó Se o gajo me entregasse um cheque de dez milhões, casava-me com o cabrão.

Zé oferece a Tó um cigarro. Depois, tira um isqueiro.

Zé Lume, Tó?
Tó Obrigado, Zé.
Zé Já imaginaste o que se podia fazer com tanto dinheiro?
Tó Eu cá comprava um barco.
Zé Um barco?
Tó Uma coisa em grande, sei lá, um iate ou assim.
Zé Que merda é que ias fazer com um iate?
Tó Ia para o mar.
Zé Não sabes velejar.
Tó Aprendia.
Zé Essas coisas custam uma pipa de massa.
Tó Temos dez milhões, Zé.
Zé Eu sei. Mas é preciso… pensar bem nas coisas primeiro, é só isso que estou a dizer.
Tó E eu já pensei muito bem.
Zé Não, não pensaste – vais comprar um iate por impulso, é isso que vai acontecer.
Tó Não vou, não senhor.
Zé Vais deitar dinheiro pela janela fora, como se crescesse nas árvores.
Tó Foda-se, estou-te a dizer que não vou.
Zé Não me levantes a voz. Lembra-te do que a Mamã disse.
Tó Desculpa, Zé.
Zé Tudo bem, Tó.
Tó Mas olha que um iate é um bom investimento.
Zé Porquê?
Tó Porque também serve de casa.
Zé Eu cá não quero viver num barco.
Tó Porque não?
Zé Enjoo, Tó.
Tó Só enjoaste daquela vez, Zé.
Zé Uma vez chegou.
Tó Depois de umas semanas, habituavas-te.
Zé Ninguém me pode obrigar. Não quero viver num barco, ponto final.
Tó Pronto. Não vivas…
Zé Está bem. Não se fala mais nisso.
Tó Mas isso não me impede de fazer o que quero.
Zé O quê?
Tó Pego nos meus cinco milhões, compro um iate, e vou para lá viver sozinho.
Zé Ai é?
Tó É.
Zé És assim?
Tó Sou.
Zé Bem, então eu pego nos meus cinco milhões e compro uma mansão grande como a merda.
Tó Porreiro.
Zé E ponho-lhe uma cerca electrificada enorme à volta, para não poderes entrar.
Tó Mas eu não vou querer entrar.
Zé Vais querer, vais. Vais querer entrar quando o teu estúpido barco grande afundar.
Tó É um iate, merda!
Zé Nessa altura vais-me aparecer a chorar: «Deixa-me entrar, Zé… Por favor, Zé… desculpa». E eu vou-te dizer: «Vai-te foder – bem te disse para não comprares o barco…»
Tó Iate… é a merda de um iate e não vou precisar de rastejar aos teus pés. Vai ser precisamente o contrário. Tu é que me vais implorar para te deixar ficar…
Zé Nem pensar!
Tó Vais ver. Vais ter de implorar quando a tua mansão arder.
Zé A minha mansão não vai arder.
Tó Isso é que vai. A tua cerca electrificada vai explodir devido a uma falha técnica e a casa vai arder.
Zé A minha cerca electrificada não tem problema nenhum.
Tó Tem um defeito de fabrico!
Zé Cala-me essa boca!
Tó O fogo vai destruir tudo.
Zé Ca-la-te.
Tó Vais ficar sem nada outra vez.
Zé Pára com isso.
Tó Sem nada, nada, nada.

Zé dá um murro a Tó, derrubando-o.
Silêncio.

Jacob O José só bateu no António uma vez. Não foi preciso mais nada. O irmão deu com a cabeça no canto da mesinha da sala e nunca mais se levantou.

Cena 11

Loja do Sansão.

Sansão Olá, Tó. Olá, Zé. Tudo a correr bem?
Tó Vai-se andando, Sansão, vai-se andando.
Jacob Normalmente compravam sempre a mesma coisa.
Pat Era o Correio da Manhã, duas latas de Sumol, dois pacotes de Maltesers, um chocolate Regina e um Twix, Sansão, por favor.
Jacob Mas nesse dia o António estava com sede de aventura.
Tó E se preenchêssemos um boletim do Euromilhões, Zé?
Zé Mas nós nunca jogamos no Euromilhões, Tó.
Sansão Pode ser o vosso dia de sorte, amigos, nunca se sabe. Como é que se costuma dizer…?
Jacob Quem não arrisca não petisca.
Sansão Quem não arrisca não petisca.
Zé Quanto a isso tens toda a razão, Sansão.
Tó Preenchemos um, Zé?
Zé Achas que sim, Tó?
Tó Acho que sim, Zé, vamos nisso.
Jacob: Finalmente… depois de horas e horas de reflexão sobre os números a escolher, os gémeos saíram da loja com um boletim do Euromilhões.

Cena 10

Casa de Zé e Tó Pote.
Zé Pote e Tó Pote estão sentados ao lado da mãe, que está deitada na cama, muito doente.

Jacob O António e o José estavam sempre a discutir. Em quarenta anos de vida, quase não fizeram outra coisa. Moravam no primeiro andar do bloco três com a mãe, uma senhora atormentada pelas discussões e conflitos constantes dos filhos. Quando chegou a hora da pobre mulher, ela continuou calmamente na cama e só lhes pediu uma coisa antes de ir para o outro mundo…
Mãe Meninos… prometam-me que vão parar de discutir. Prometam-me que vão tomar conta um do outro e gostar sempre um do outro.
Zé/Tó Prometemos, Mamã.
Jacob E tencionavam cumprir a promessa. Durante os três anos seguintes não houve uma zanga – comportaram-se como perfeitos cavalheiros. Mas um dia foram à loja do Sansão comprar o jornal.

Cena 9

Quarto de Lili.
Dara está de pé, junto à janela, a olhar para fora – Lili está deitada na cama.

Dara A sério, Lili, isto é estranho. É muito estranho. Já passaram dois dias e ainda não há sinal do Tó Pote. Eles nunca estiveram tanto tempo separados. O Zé Pote está para ali sozinho. Que merda se estará a passar?
Lili De que é que estavas a falar com ela?
Dara O quê?
Lili Com a rapariga na rua. Que é que lhe estavas a dizer?
Dara A rapariga na rua?
Lili A rapariga dos livros. A rapariga que está sempre a ler. Vi-te a falar com ela há bocado.
Dara Ah, a Bela.
Lili Sim.
Dara Se calhar foi para fora, visitar alguém – mas se tivesse ido, de certeza que o Zé ia também. Quer dizer, de certeza que conhecem as mesmas pessoas.
Lili De que é que vocês estavam a falar?
Dara Sei lá. Não me lembro.
Lili Estavam a falar de mim... não estavam?
Dara Não…
Lili Estavam, estavam… Vi-a olhar cá para cima. Estavam as duas a rir…
Dara Não…
Lili Era de mim que estavam a rir, Dara?
Dara Não sejas paranóica.
Lili Estavas a rir-te de mim com ela?
Dara Não digas disparates, Lili.
Lili Vens cá cima – ouves as minhas histórias – finges que és minha amiga, e depois vais lá para baixo rir-te de mim.
Dara Isso não é verdade. Eu não me ia rir de ti, Lili.
Lili Mas eu vi-te.
Dara Viste-me a falar com ela.
Lili A falar sobre mim.
Dara Não é o que estás a pensar, Lili, juro. Mas se não acreditas em mim… Se preferes que me vá embora…
Lili Não. Não, desculpa.
Dara Tudo bem. É melhor esquecermos isto. Vamos esquecer isto e voltar ao problema que temos em mãos.
Lili O problema que temos em mãos?
Dara O Tó Pote. O mistério do gémeo desaparecido. Tens alguma teoria?
Lili Se calhar o Zé matou-o.
Dara Porquê?
Lili Se calhar discutiram por causa de alguma coisa.

Cena 8

Na rua.
Bela está sentada sobre um muro a ler. Jimmy, Rato, Jacob e Guerra estão sentados no passeio a beber e a jogar às cartas. Dara passa por eles.

Dara: Tudo bem?
Jimmy A mãe anda à tua procura.
Dara Deixa-a procurar.
Jimmy Está-se a passar. Já não a posso ouvir – tu vai para casa – tás-me a ouvir?
Dara Tudo bem... só que não vou já, já.

Jimmy abana a cabeça. Dara continua a andar.

Rato Porque é não jogas connosco, Dara?
Dara Népia... Tou bem assim.
Guerra Anda lá, Dara. Não te vemos há bué de tempo. Andas a fugir de nós?
Dara Não. Claro que não. Tenho tido coisas para fazer. Só isso...
Rato Mas isso agora pode esperar, não pode?
Guerra Senta-te. Bebe qualquer coisa.
Dara Se calhar mais daqui a bocado.

Dara recomeça a andar. Guerra faz um sorriso de troça.

Guerra Se calhar mais daqui a bocado… ela não despega...
Jimmy Cala-te, foda-se.
Dara Que é que disseste, Guerra?
Guerra Eu só...
Jimmy Anda lá, diz. Diz, a ver se não vai ser a última merda que dizes.
Guerra Eu não disse nada.
Dara Qual é o estrilho, Jimmy?

Jimmy levanta-se e aproxima-se dela.

Jimmy Nós sabemos onde tens estado, Dara, e com quem tens estado. Toda a gente sabe.
Dara E que é que tem de mais?

Silêncio.

Dara E que é que isso tem DE MAIS?
Guerra Tens passado muito tempo no quarto da coisinha... é só isso que estou a dizer.
Dara E claro que devia era estar aqui com vocês a beber Red Bull e a jogar à lerpa…
Rato Póquer.
Dara Cala-te, Rato.
Jimmy Cala-me essa boca de merda, Rato.

Jimmy olha para Dara.

Jimmy Quero que deixes de lá ir.
Dara Tás a falar a sério?
Jimmy Tou.
Dara Porquê?
Jimmy As pessoas falam. Já estão a dizer merda sobre ti e sobre ela… sobre as duas.

Dara ri-se.

Dara Meu Deus... bem, pelo menos têm assunto de conversa graças a nós. Não se pode dizer propriamente que se passe muita coisa por aqui.
Jimmy Não tem piada, Dara.
Dara Olha que tem. Tem um bocadinho de piada. (tempo) Qual é o problema? – Vou lá acima para conversar...
Jimmy Não é isso que as pessoas dizem.
Dara Quero lá saber.
Jimmy Mas eu quero. Tenho vergonha. Andas a envergonhar-me. É isso que queres?
Dara Claro que não.
Jimmy Jura que não tornas a ir lá cima.
Dara Não posso.

Jimmy vira-lhe as costas. Fala para os rapazes.

Jimmy Bora lá. Bute.

Jimmy começa a afastar-se. Os rapazes arrumam as coisas e vão atrás dele.

Rato Porquê?
Jimmy Porque sim, meu. Bute!

Rato começa a juntar as cartas.

Jimmy Deixa isso.

Jimmy dá um pontapé às cartas, que ficam espalhadas no passeio.

Jimmy Deixa isso e ala, que se faz tarde.

Jimmy vai-se embora. Os rapazes seguem atrás dele. Dara fica a vê-los. Depois de eles saírem, repara em Bela, que está sentada no muro, a ler.

Dara Tudo bem, Bela?
Bela Ah, ainda te lembras do meu nome! Já achava que te tinhas esquecido de que eu existia.
Dara Não comeces tu também.
Bela Não começo eu também o quê?
Dara Parece que anda toda a gente a falar de mim.
Bela Tenho coisas mais interessantes para fazer do que falar de ti, Dara.

Dara sorri.

Dara É bom saber. (tempo) Outro livro?

Bela acena que sim com a cabeça.

Dara Presta para alguma coisa?
Bela Ainda estou a decidir.

Dara arranca o livro das mãos de Bela.

Bela Então!
Dara Se calhar também vou ler.
Bela Acho que não ias gostar.
Dara Ou seja, achas que eu não ia perceber nada.

Dara olha para o livro.

Bela Dara…
Dara Hmmm?
Bela Como é que ela é, a Condessa?
Dara Ela chama-se Lili.
Bela Como é que ela é?
Dara É simpática.
Bela A sério?
Dara É uma pessoa um bocado esquisita... é diferente, mas, ao contrário do que toda a gente pensa, não tem duas cabeças e uma cauda.
Bela Deixa-me ir contigo da próxima vez que fores lá acima.
Dara Não.
Bela Por favor. Deixa-me ir. Leva-me contigo.
Dara Ela não é uma pintura num museu, Bela.
Bela Só uma vez.
Dara Não vai acontecer.
Bela Porque não?
Dara Ela não te convidou.
Bela Mas podias convidar-me tu.
Dara Não.
Bela Disseste que era simpática... se é simpática, não se vai importar.

Dara entrega o livro a Bela.

Dara Esquece isso, Bela.
Bela Pronto.
Dara Olha, vemo-nos por aí. Tenho de ir.

Dara sai.

Bela: (murmurando) Pois… Claro que tens de ir...

Cena 7

Quarto de Lili.
Lili está na cama – Dara olha pela janela.

Lili E que mais?
Dara Mais nada.
Lili Não pode ser.
Dara Estou-te a dizer.
Lili Se eu fosse aí, aposto que via mais alguma coisa.
Dara O Guerra e o Rato estão a jogar à bola. O Jimmy está a dar ao Dave um enxerto de porrada…
Lili Disseste que ele estava a gritar com ele…!
Dara Era o que estava a fazer da primeira vez que perguntaste. Agora está a bater-lhe.
Lili E que mais?
Dara A Guida está a pôr uns tapetes a secar na varanda.
Lili Outra vez – já ontem estava a fazer isso.
Dara São outros tapetes.
Lili Quantos tapetes é que ela tem?
Dara Toneladas, pelos vistos.
Lili Onde é que ela tem espaço para os guardar?
Dara Oh….
Lili Que é? (tempo) Que é, Dara?
Dara Um dos gémeos gordos acabou de se levantar.
Lili Qual deles?
Dara O Zé.
Lili Aquele que usa óculos?
Dara Sim.
Lili Que filho da mãe preguiçoso.
Dara Cabrão preguiçoso e gordo.
Lili Que bruto preguiçoso, gordo e porco. (tempo) Que é que ele está a fazer?
Dara A abrir as cortinas – meu Deus…..
Lili Que foi?
Dara (em tom enojado) Está à janela de tronco nu.
Lili Que mau aspecto.
Dara: Podes crer…
Lili: Que nojo.
Dara Não consigo ver o outro. Não vejo o Tó.
Lili Oh, deve andar por aí – deve estar a aparecer – nunca se vê um sem o outro – é como se fossem siameses. Não percebo como não se fartam um do outro…
Dara Népia… isso nunca acontecerá com os gémeos gordos.
Lili Fico maldisposta só de olhar para eles.
Dara Nunca falei com eles. Mas a Bela conhece-os… e diz que são fixes.
Lili A Bela?
Dara A minha amiga.
Lili Aquela que está sempre a ler.
Dara Sim, essa. Pois é, a Bela diz que são fixes – que não fazem mal a ninguém…
Lili Quero lá saber do que a Bela diz.
Dara Desculpa. Achei… achei que pudesses estar interessada.
Lili Não estou.
Dara Ok.

Silêncio embaraçoso durante um momento. Lili levanta-se e vai ter com Dara à janela.

Lili Sabes, Dara…. às vezes acho que sou a única pessoa real. Às vezes acho que inventei os outros todos – os outros todos lá em baixo – parece-me que só existem na minha cabeça – que quando paro de pensar neles, deixam de existir. (tempo) Achas que sou maluca?
Dara Não... claro que não. (tempo) Já alguma vez pensaste isso sobre mim? Alguma vez pensaste que não existo?
Lili Já. Às vezes sei o que vais dizer mesmo antes de falares. É como se lesse os teus pensamentos – é como se adivinhasse.

Dara coloca suavemente as mãos sobre a garganta de Lili e, subitamente, tenta estrangulá-la.

Dara Adivinhaste isto, Lili?

Lili debate-se e cai de joelhos. Dara continua a apertar-lhe o pescoço.

Dara Adivinhaste esta merda?

Dara tira as mãos da garganta de Lili e ri-se. Lili tenta voltar a respirar.

Lili Puta. (tempo) Puta do caralho.

Lili desata a rir. Vira o pescoço para Dara.

Lili Ficou marca?
Dara Não. Querias que ficasse?

Lili diz que sim com a cabeça.

Dara Nós não somos como os outros, pois não, Lili?
Lili Não. Provavelmente seria mais fácil se fôssemos.

Cena 6

Quarto de Lili.
Lili e Jacob estão sentados à janela, a olhar para a rua, em baixo.

Lili Sei muito bem que ninguém consegue imaginar o que estou para aqui a fazer o dia todo. Como me mantenho ocupada. O que me impede de enlouquecer. A verdade é que invento histórias. Sou assim. Umas vezes são engraçadas. Outras são tristes. Umas vezes são maravilhosas. Outras, péssimas. Mas são sempre só histórias.
Jacob És boa nisso – és mesmo boa.
Lili Só leste uma.
Jacob Mas gostei.
Lili Tenho centenas, milhares, centenas de milhares.
Jacob Centenas de milhares?
Lili Não acreditas?
Jacob Acredito. Mas olha que… isso é muita história.
Lili Tenho muito tempo livre.
Jacob Imagino.
Lili Este quarto… é como uma prisão.
Jacob Lá fora não é muito melhor, Lili. Há um bar, mas ainda não temos idade para entrar, há um ATL, mas já não temos idade para isso – não há nada melhor do que ficar sentado na rua a beber minis.
Lili Pelo menos lá fora há pessoas.
Jacob Não são assim muito interessantes, Lili.
Lili Mas pelo menos tens com quem falar, Jacob.
Jacob A tua mãe não fala contigo?
Lili Fala, claro. Mas nunca diz nada de novo. Tenho a impressão de que já dissemos tudo o que temos para dizer uma à outra – agora só nos repetimos. (tempo) Se ela soubesse que estás aqui comigo, passava-se.
Jacob Porque é que ela não te deixa ter amigos, Lili? Porque é que ela não te deixa receber visitas?
Lili Tem medo de que me peguem alguma coisa.

Jacob ri-se.

Jacob Devia levar a mal, mas algo me diz que ela tem razão. (apontando para a rua em baixo) Se calhar apanhavas qualquer coisa do Rato só de olhar para ele.
Lili Não, ela é fixe… não faz por mal… pensa que me está a proteger… e está… só que…
Jacob O quê?
Lili Nada.

Silêncio.

Jacob E onde é que arranjas ideias… para as histórias?
Lili Nesta janela. Fico aqui sentada à janela e olho para as pessoas – imagino coisas sobre elas – sobre as vidas delas…
Jacob Por exemplo?
Lili Por exemplo, segredos que elas possam estar a esconder, esse tipo de coisas.
Jacob Estou a perceber. Sobre quem é que já escreveste uma história?
Lili Sobre alguns deles. Mas escrevo principalmente sobre aquela.

Lili aponta para a rua em baixo.

Lili A rapariga que está sempre com aqueles rapazes.
Jacob A Dara.
Lili Dara? É assim que ela se chama?
Jacob Sim, vive duas portas depois de mim – conheço o Jimmy, irmão dela. É da minha turma. Quer dizer, quando se dá ao trabalho de aparecer nas aulas. Ele é fixe, mas a Dara… Não sei, nunca…

Lili tapa-lhe a boca com a mão.

Lili Pára. Não digas mais nada. Não quero saber.

Jacob afasta a mão dela, segurando-a por um momento. Ela puxa a mão e volta olhar pela janela.

Jacob Alguma vez escreveste sobre mim?
Lili Ainda não. Qualquer dia… se bem que…
Jacob Se bem que o quê?
Lili Acho que o papel de narrador te fica melhor, Jacob.
Jacob Que é que queres dizer com isso?

Lili não responde – volta a olhar pela janela.

Lili Já reparaste como a Dara anda sempre a correr de um lado para o outro? Nunca está parada. Precisa de estar sempre a fazer alguma coisa, a ir para algum lado, e nunca se cala. Acho que tem medo de parar. Parar implica silêncio. E as pessoas como a Dara detestam o Silêncio – querem sempre preenchê-lo –, o silêncio assusta-as.

Lili olha para Jacob. Ele olha pela janela, com ar absorto. Não ouviu realmente aquilo que ela disse. Segue-se um longo silêncio.

Lili Não tens medo dele, pois não, Jacob?
Jacob Desculpa?
Lili Do silêncio. (tempo) Que é que tens?
Jacob O quê? (tempo) Desculpa, estava só a pensar que…
Lili Ah!
Jacob Não queres saber em que é que estava a pensar?
Lili Já sei.
Jacob A sério?
Lili Estás a pensar que isto é um bocado chato. Durante algum tempo, foi giro, mas a novidade passou. Estás a pensar que preferias estar lá fora com os outros.
Jacob Não!
Lili Não tem mal.
Jacob Adoro vir aqui, Lili.
Lili Não és obrigado.
Jacob Mas eu quero.
Lili Juras?
Jacob Juro. (tempo) Adoro vir aqui… estar contigo.

Jacob olha para Lili. Lili sorri-lhe mas depois decide mudar rapidamente de assunto.

Lili Se pudesses ter um superpoder, qual é que escolhias?
Jacob O quê?
Lili Um superpoder, qualquer um.
Jacob Eu… não… não tenho a certeza.
Lili Escolhe um.
Jacob Para quê?
Lili É um jogo.
Jacob Não me apetece jogar.
Lili Escolhe um, Jacob!
Jacob Voar.
Lili Voar?
Jacob Ser capaz de voar – escolhia esse superpoder.
Lili Que escolha péssima – ser capaz de voar – para que é que querias uma cena dessas?
Jacob Eu… não sei. Eu…..
Lili Escolheste mesmo mal, Jacob. (tempo) Sabes qual é que eu escolhia?
Jacob Não.
Lili Ser capaz de controlar o tempo. Poder fazer rewind, fast forward ou até paralisar o tempo. Isto, sim, é escolher bem. Muito melhor do que voar. Reconhece, Jacob.
Jacob Talvez.
Lili Podias voltar ao passado, visitar o futuro e suspender os presente. Pensa em todas as coisas que podias ver.
Jacob Lili…
Lili Tenta imaginar…
Jacob Lili, não quero imaginar mais nada.
Lili O quê?
Jacob Não quero imaginar, não quero fingir, não quero joguinhos.
Lili Então que é que queres?
Jacob Quero que me digas alguma coisa que seja verdade.

Intrigada, Lili olha para ele fixamente durante um momento.

Jacob Uma coisa verdadeira – uma recordação – alguma coisa que te tenha mesmo acontecido – uma coisa que seja verdade.
Lili Não… Não consigo lembrar-me de nada.
Jacob Tenta.
Lili Não quero.
Jacob Por favor, Lili….
Lili Porquê?
Jacob Preciso que faças isso.
Lili Precisas porquê?
Jacob Passas o tempo todo a falar sem dizer realmente nada. Todas as noites saio daqui a sentir que sei menos do que na noite anterior… detesto isso.

Jacob coloca a mão em forma de concha no rosto de Lili.

Lili Jacob….
Jacob Diz-me alguma coisa que seja verdade.
Lili Não consigo.

Jacob beija Lili – ela retribui o beijo por um momento, depois afasta-o com um empurrão.

Jacob Qual é o problema?
Lili Não devias ter feito isso. (tempo) Acho melhor ires embora.
Jacob Fiz o que ela disse. Fui embora. Tinha esperança de que ela me pedisse para voltar. Isso nunca aconteceu. De qualquer modo, não demorou muito a arranjar um novo parceiro.

Cena 5

Na rua.

Jacob Eu conheci a Lili. Poucas pessoas podem dizer o mesmo. Antes da Dara, existia eu. Apesar de tudo ter acabado antes de realmente começar. (tempo) Um dia, no Verão passado, estava eu ali na rua, como de costume, à procura de alguma coisa para enganar o aborrecimento, à espera de um milagre, e foi precisamente isso que aconteceu. Coisa pequena, mas milagrosa mesmo assim. Vi uma folha cor-de-rosa de um bloco de notas flutuar por cima do meu ombro e cair no passeio. Apanhei-a e li o que estava escrito.
Lili Era uma vez uma mulher simpática.
Jacob Era uma vez uma mulher simpática.
Lili Esta mulher simpática tinha muitas coisas giras mas não era feliz.
Jacob Era o início de uma história.
Lili Estava-se nas tintas para as coisas giras que tinha. Sentia-se sozinha.
Jacob Todos os dias voltei ali.
Lili O que ela queria mesmo era um bebé.
Jacob Todos os dias voltei àquele sítio e todos os dias a frase seguinte da história flutuava para mim a partir da janela.
Lili Por isso, a mulher simpática tinha esperança e desejava e rezava.

Entra a Mulher Simpática.

Mulher Simpática Por favor, meu Deus. Por favor, dá-me um bebé. Tenho tanto amor para dar, prometo tomar conta dele. Prometo. Por favor, meu Deus, por favor.
Lili Um dia, a mulher ouviu bater à porta. Quando abriu, deu um grito de alegria – encontrou um berço logo ali à entrada. Espreitando para dentro, viu-a pela primeira vez – uma bebé linda só para ela.

Entra a Menina de Vidro e dirige-se à Mulher Simpática.

No entanto, esta menina não era como os outros bebés, mas diferente, especial. Era toda de vidro. Tinha mãozinhas de vidro e dedinhos de vidro, pezinhos de vidro e dedinhos dos pés de vidro, boquinha de vidro e dois olhinhos de vidro… até o cabelo dela era de vidro. A mulher simpática não se importou com isso – olhou para ela e disse…
Mulher Simpática És a coisa mais linda que eu já vi. És perfeita.
Lili Mas sabia que tinha de ter cuidado. Tinha tanto medo que a menina de vidro se partisse que a fechou num quarto cheio de penas.
Mulher Simpática Assim ficas em segurança. Aqui não te podes magoar.
Lili A mulher simpática sentava-se na cama ao lado da menina e lia-lhe histórias, mas nunca lhe tocava.
Mulher Simpática Podia fazer-te mal sem querer. Isso é a última coisa que quero.
Lili Certa noite, a menina de vidro teve um pesadelo horrível…

A menina de vidro dá um grito de terror.

Lili Era um pesadelo muito estranho: apesar de nunca ter visto o mar, sonhou que se estava a afogar lá dentro. Gritou e chorou – estava tão assustada que a mulher simpática a abraçou sem dar por isso…
Mulher Simpática Pronto, pronto, chiu, chiu.
Lili A mulher simpática ficou com a menina até ela acalmar. Deitaram-se juntas sobre as penas brancas e fofas. Pouco depois, a luz do Sol iluminou o quarto. A mulher simpática abre os olhos. Percebe que deve ter adormecido. Sente-se quente e húmida. Olha por ela abaixo – e por um momento sente-se confusa. As penas fofas e brancas estão vermelhas. Pegam-se à pele. Horrorizada, percebe que estão ensopadas em sangue – no seu próprio sangue – tem os braços e as pernas cheios de cortezinhos, o corpo coberto de fragmentos de vidro minúsculos. A menina de vidro desapareceu. A mulher simpática começa a chorar…
Mulher Simpática Mas eu só adormeci.
Lili Murmura: «Coitada da mulher simpática – abraçou a menina de vidro com força de mais…
Mulher Simpática Agora estou outra vez completamente sozinha.
Jacob Quando já tinha as frases todas – quando juntei os papelinhos todos como num puzzle, ela convidou-me para lhe fazer uma visita. E eu fui.

cena 4

Quarto de Lili.
Lili está deitada na cama. Dara está de pé, aos pés da cama, a olhar para ela fixamente. Tem a pistola na mão. Aponta-a à outra rapariga. Lili remexe-se um pouco na cama. Abre os olhos. Senta-se. Olha fixamente para Dara. Silêncio.

Lili Olá. Posso ajudar-te?

Dara não responde. Limita-se a olhar fixamente para ela.

Lili Posso ajudar-te?
Dara Não sei.
Lili Tencionas matar-me?
Dara Não. Não, claro que não.
Lili Só pus essa hipótese porque…. bem, estás a apontar-me uma pistola à cabeça.

Dara olha para a pistola. Baixa o braço.

Dara Desculpa.
Lili Não faz mal.
Dara Desculpa lá.
Lili Mas olha… se fosses… tipo matar-me, não havia problema. A sério que não.
Dara Tu regulas bem da cabeça?
Lili Entraste no meu quarto a meio da noite e apontaste-me uma pistola enquanto eu dormia. Está-se mesmo a ver que sou eu que não regulo bem.
Dara Foi só… foi só para rir.
Lili Não percebo a piada.
Dara Pois, por acaso eu também não. Já não estou a perceber.
Lili Isto não dá vontade de rir, Dara.
Dara Como é que sabes o meu nome?

Lili encolhe os ombros.

Dara Queríamos pregar-te um susto. Era só na brincadeira.
Lili Não sei se foi bem isso. Parece-me que isso foi só uma desculpa. Vocês não me queriam pregar um susto – o que queriam mesmo era ver-me, olhar para mim – ver a anormal no seu habitat natural – essa é que é a verdade, não é?
Dara Não.
Lili Não precisas de mentir. Não há problema.
Dara Mesmo que quisesse assustar-te, não conseguia.
Lili Não me assusto facilmente.
Dara Tu já sabias que eu vinha.
Lili Como é que podia saber?
Dara Tu sabias. Sabias que, mais cedo ou mais tarde, eu ia aparecer. Achas que não te vejo? Todos os dias te vejo a olhar para mim daqui de dentro lá para fora.
Lili Mas eu também te vejo todos os dias. Vejo-te lá fora a olhar para mim aqui dentro.
Dara Isto foi má ideia. Desculpa. A sério que estou arrependida.
Lili Não tem mal.
Dara Como é que te chamas?
Lili Não sabes o meu nome?
Dara Nunca ouvi ninguém chamar-te nada. Lá fora… chamam-te «Condessa», estás a ver, como o…
Lili Drácula, pois, estou a ver. (tempo) Chamo-me Lili. Liliana.
Dara Bem, tenho de ir. (tempo) Gostei muito de te conhecer, Liliana.

Dara aproxima-se da janela.

Lili Não vás, Dara. Fica.
Dara Porquê?
Lili Fica aqui a falar comigo. Fica e conta-me tudo… conta-me qualquer coisa…
Dara Não posso. Nunca acontece nada. Nada de nada. Não há nada lá fora. Não tenho nada para contar, Lili.
Lili Não faz mal. Inventa.

Dara senta-se ao fundo da cama de Lili.

Cena 3

Na rua.
Um grupo de rapazes e Dara aparecem a correr pela rua. Dara tem na mão uma pistola velha.

Rato Dá cá isso, Dara!

Dara Dou já. Descontrai, foda-se.
Guerra Onde é que a arranjaste?
Rato Foi com o Moisés.
Dara E ele, onde é que a arranjou?
Rato Sei lá. Encontrou-a, acho. Dá cá isso, Dara.
Guerra O Moisés deu-ta sem mais nem menos?
Rato Comprei-a.
Dara Deste dinheiro por esta merda, Rato?
Rato Não é uma merda.
Dara Esta cena deve ter cem anos.
Guerra Quanto é que pagaste?
Rato Vinte.
Dara Cêntimos, espero.
Rato Vai-te lixar. Euros.
Dara Foste roubado, Rato.
Rato Não percebes puto de armas.
Dara Mas olha que conheço muito bem o Moisés.
Guerra Para que é que precisas de uma pistola, Rato?
Rato Gostei do aspecto dela.
Dara Gostaste do aspecto desta merda toda ferrugenta?
Rato Dá cá isso já, Dara, estou a falar a sério.
Dara Ah, agora está a falar a sério.
Rato É a última vez que peço.
Dara Se não que é que fazes?
Rato Juro por Deus, Dara, se fosses um gajo….
Dara Fodias-me. Já sei.

Rato precipita-se para ela. Guerra mete-se no meio dos dois. Dara recua, a rir.

Rato Diz-lhe para me dar a pistola.
Dara Não a estrago.

Entra Jimmy.

Dara Jimmy Miguel!
Jimmy (para Dara) A mãe anda à tua procura.
Dara Deixa-a procurar.
Jimmy Que é que se passa?
Guerra O Rato comprou uma pistola.
Jimmy Foda-se! Estou impressionado!
Rato Até que enfim que alguém entende!
Jimmy Disse ao Moisés que nunca se ia conseguir ver livre dessa cena – mas afinal o gajo tinha razão.

Rato Vai-te lixar.
Jimmy Deixa cá ver.
Guerra Dara! Atira!
Rato Dara, não atires.

Dara atira a pistola a Jimmy, que a apanha.

Jimmy Fónix… não é lá muito leve. Que beleza, Rato – já não as fazem como dantes, pois não?
Rato Ha! ha!

Jimmy atira a pistola a Guerra, que a apanha.

Rato Parem já com isso!
Guerra Ouve lá, Jimmy, parece-me que esta cena ainda é capaz de fazer muitos estragos.

Guerra atira a pistola a Dara, que a apanha.

Dara Sim, se a atirares a alguém com força…
Jimmy Ou se a meteres pelas goelas abaixo dum pobre coitado.

Dara atira a pistola a Jimmy.

Rato Anormais.

Jimmy atira-a a Guerra outra vez.

Jimmy Ai agora somos anormais?

Guerra puxa Rato para si. Imobiliza-o com uma chave, colocando-lhe um braço à volta do pescoço e aponta-lhe a pistola à cabeça.

Guerra Repete lá isso, ó cara de cu. Diz isso outra vez.

Dara ri-se.

Jimmy Vá lá, Guerra!

Rato afasta Guerra com um empurrão.

Rato Hilariante. Por muito que este humor relacionado com armas seja do meu agrado, a pistola é minha e quero que ma entreguem já, por favor.
Guerra Sim, tens razão. Desculpa lá.

Guerra aproxima-se de Rato para lhe entregar a pistola. No último momento, arranca-lha bruscamente das mãos e atira-a a Dara.

Dara Como um patinho!
Rato Cabrões. São todos uns cabrões. Aqui à minha frente, só cabrões. É isso que tenho à frente. A elite dos cabrões.

Bela aparece na rua a ler um livro. Sem a ver, Dara recua com a pistola na mão.

Dara Ai queres a pistola? Queres a pistola, Rato? Toma lá.

Dara atira a pistola a Jimmy. Nesse preciso momento, ainda a andar para trás, tropeça em Bela, que deixa cair o livro.

Dara Porra, desculpa.
Bela Não faz mal.

Dara apanha o livro e entrega-o a Bela. Os rapazes continuam a discutir entre eles.

Dara Outra vez a ler, Bela?
Bela Não é proibido.
Dara Mas olha que é perigoso – quer dizer, viste o que aconteceu – a sorte é que nenhuma de nós se magoou.
Guerra Dara!

Guerra atira a pistola para Dara – ela apanha-a.

Bela Ler é perigoso mas andar para aí a brincar com uma pistola carregada não tem perigo nenhum, claro está.
Dara Esta cena? Isto não é uma pistola – é uma peça de museu. Nem sequer funciona…

Dara ergue o braço com a pistola.

Rato Cuidado, Dara…
Dara Não está carregada.

A pistola dispara. Grande estrondo.

Dara (risos) Merda!
Rato Eu não disse?

Rato corre para ela e arranca-lhe a pistola das mãos.

Rato Que é que eu te disse?
Jimmy Descontrai, Rato – ninguém morreu.
Dara Ganda merda. (para Bela) Estás bem?
Bela Iá. Na boa.

Jimmy dá uma pancada na cabeça de Rato.

Jimmy Que é que pensas que andas a fazer com uma pistola carregada? Parvalhão.

Bela olha para um apartamento do prédio atrás deles.

Bela Olha, olha. Está ali a Condessa à janela; parece que conseguiste atrair a atenção dela, Dara.
Dara Quê?

Jimmy olha para o mesmo sítio. Todos olham para cima, para uma das janelas do prédio por trás.

Jimmy Lá está ela, sim senhor.
Guerra Mete-me um medo do caraças.

Jimmy faz o gesto com o dedo médio para o apartamento. Rato aponta a pistola para lá.

Rato A próxima és tu, Branca de Neve!

Os rapazes e Dara fogem a rir. Bela senta-se no passeio e continua a ler.

Jacob A Lili vivia no sexto andar. Nunca saía do apartamento. Nem sequer chegava a sair do quarto. Estava muito doente, percebem? Era alérgica ao Sol, ou pelo menos era isso que toda a gente dizia. Parece que se apanhasse sol, inchava até ficar três vezes maior  e depois morria. Era por isso que nunca saía. Limitava-se a ficar sentada junto à janela, vestida com imensa roupa, a olhar para a rua. Às vezes, as pessoas cá em baixo gritavam-lhe coisas. Chamavam-lhe Drácula ou cruzavam os dedos, cenas assim, originais, nunca vistas. Mas em geral ignoravam-na…. Só que tudo isso mudou porque… bem… a Dara teve uma ideia.

Dara e os rapazes estão outra vez todos juntos na rua. Rato está a brincar com a pistola, os outros estão a jogar com uma bola. Bela continua sentada, a ler.

Jimmy Mas que ideia tão estúpida.
Dara Quem diz?
Jimmy Eu. Agora mesmo. Não ouviste?
Guerra Mas olha que ela se ia cagar de medo, Jimmy.
Jimmy Népia, o melhor é ficar longe.
Rato Ia ter piada, Jimmy.
Dara (para Jimmy) Eles concordam comigo.
Jimmy Então, pronto, se esses intelectualóides concordam contigo, não hesites… ignora-me a mim, que sou teu irmão.
Rato (referindo-se à pistola) Mas depois tens de me entregar isto outra vez, Dara.
Jimmy Ela não precisa disso para nada… vai mudar de ideias…
Dara Porra, Jimmy. Não gosto que me digam o que devo ou não fazer.
Bela (calmamente) Acho que devias dar-lhe ouvidos.
Dara O quê? Alguém te perguntou alguma coisa?
Bela Só acho que não devias fazer isso.
Guerra (para Bela) Lê mais um capítulo, ó melga. (pausa) Vai ser de morrer a rir, Dara.
Bela Para ela é que não vai ter piada nenhuma. Vai apanhar um susto do caraças.
Guerra O objectivo é precisamente esse, amorzinho.
Dara É na brincadeira, Bela.
Jimmy (para Guerra) Se achas tão interessante, porque é não vais lá tu sozinho, valentão?
Dara Não ouviste o que eu disse, Jimmy? Já disse que ia.
Rato É assim mesmo.
Guerra Grande mulher, Dara!
Dara Mas tem de ser de noite.

Cena 2

Noite. Quarto de Lili.

Lili está deitada na cama. Dara está de pé, ao fundo da cama, e aponta-lhe uma pistola. Jacob aparece. Olha para o quarto de Lili antes de se dirigir para a boca de cena. Fala directamente para o público.

Jacob Quase todas as pessoas que acordassem a meio da noite e encontrassem um estranho, ao pé da cama, a apontar-lhes uma pistola para o meio dos olhos… bem, acho que quase todas as pessoas fariam uma de três coisas. Ou gritar, ou desmaiar, ou tentar fugir de algum modo. Mas a Lili não… A Lili sentou-se muito direita, sorriu para a intrusa e disse simplesmente:

Lili Olá. Posso ajudar-te?

Jacob A Lili era diferente de quase todas as pessoas. A Lili vivia aqui. Aqui, no bairro da Belavista.

Quando as luzes se acendem, vê-se uma rua e um prédio alto e degradado.

Nunca há nada para fazer aqui. Nada para fazer, nenhum sítio para onde ir. Estamos sempre para aqui sentados, à espera de alguma coisa, à espera que alguma coisa aconteça. Nunca acontece. Nunca acontece nada na Belavista.

Cena 1



Escuridão. Aparece uma sombra.



Lili Invento histórias. Sou assim. Umas vezes são engraçadas. Outras são tristes. Umas vezes são maravilhosas. Outras, péssimas. Mas são sempre só histórias.