quarta-feira, 28 de abril de 2010

Cena 12

Sala de estar de Zé e Tó.

Jacob Nessa noite, quando se preparavam para assistir aos resultados na televisão, a tensão e a excitação eram palpáveis.

Zé passa um prato de bolachas de chocolate a Tó.

Zé Vai uma bolacha?
Tó Fixe.

Vêem televisão.

Voz do Apresentador Esta noite o jackpot perfaz um total de… estão preparados?… Dez Milhões de Euros, Senhoras e Senhores… Então que tal?

Tó Porra, não posso com este gajo!
Zé Eu também não, Tó.
Tó Se há gajo com que embirro, é este, Zé.
Zé Porra de paneleiro bronzeado. (tempo) Mais chá?
Tó Obrigadíssimo, querido.
Zé Mas, quer dizer… se me passasse para a mão um cheque de dez milhões…
Tó Se o gajo me entregasse um cheque de dez milhões, casava-me com o cabrão.

Zé oferece a Tó um cigarro. Depois, tira um isqueiro.

Zé Lume, Tó?
Tó Obrigado, Zé.
Zé Já imaginaste o que se podia fazer com tanto dinheiro?
Tó Eu cá comprava um barco.
Zé Um barco?
Tó Uma coisa em grande, sei lá, um iate ou assim.
Zé Que merda é que ias fazer com um iate?
Tó Ia para o mar.
Zé Não sabes velejar.
Tó Aprendia.
Zé Essas coisas custam uma pipa de massa.
Tó Temos dez milhões, Zé.
Zé Eu sei. Mas é preciso… pensar bem nas coisas primeiro, é só isso que estou a dizer.
Tó E eu já pensei muito bem.
Zé Não, não pensaste – vais comprar um iate por impulso, é isso que vai acontecer.
Tó Não vou, não senhor.
Zé Vais deitar dinheiro pela janela fora, como se crescesse nas árvores.
Tó Foda-se, estou-te a dizer que não vou.
Zé Não me levantes a voz. Lembra-te do que a Mamã disse.
Tó Desculpa, Zé.
Zé Tudo bem, Tó.
Tó Mas olha que um iate é um bom investimento.
Zé Porquê?
Tó Porque também serve de casa.
Zé Eu cá não quero viver num barco.
Tó Porque não?
Zé Enjoo, Tó.
Tó Só enjoaste daquela vez, Zé.
Zé Uma vez chegou.
Tó Depois de umas semanas, habituavas-te.
Zé Ninguém me pode obrigar. Não quero viver num barco, ponto final.
Tó Pronto. Não vivas…
Zé Está bem. Não se fala mais nisso.
Tó Mas isso não me impede de fazer o que quero.
Zé O quê?
Tó Pego nos meus cinco milhões, compro um iate, e vou para lá viver sozinho.
Zé Ai é?
Tó É.
Zé És assim?
Tó Sou.
Zé Bem, então eu pego nos meus cinco milhões e compro uma mansão grande como a merda.
Tó Porreiro.
Zé E ponho-lhe uma cerca electrificada enorme à volta, para não poderes entrar.
Tó Mas eu não vou querer entrar.
Zé Vais querer, vais. Vais querer entrar quando o teu estúpido barco grande afundar.
Tó É um iate, merda!
Zé Nessa altura vais-me aparecer a chorar: «Deixa-me entrar, Zé… Por favor, Zé… desculpa». E eu vou-te dizer: «Vai-te foder – bem te disse para não comprares o barco…»
Tó Iate… é a merda de um iate e não vou precisar de rastejar aos teus pés. Vai ser precisamente o contrário. Tu é que me vais implorar para te deixar ficar…
Zé Nem pensar!
Tó Vais ver. Vais ter de implorar quando a tua mansão arder.
Zé A minha mansão não vai arder.
Tó Isso é que vai. A tua cerca electrificada vai explodir devido a uma falha técnica e a casa vai arder.
Zé A minha cerca electrificada não tem problema nenhum.
Tó Tem um defeito de fabrico!
Zé Cala-me essa boca!
Tó O fogo vai destruir tudo.
Zé Ca-la-te.
Tó Vais ficar sem nada outra vez.
Zé Pára com isso.
Tó Sem nada, nada, nada.

Zé dá um murro a Tó, derrubando-o.
Silêncio.

Jacob O José só bateu no António uma vez. Não foi preciso mais nada. O irmão deu com a cabeça no canto da mesinha da sala e nunca mais se levantou.

Sem comentários:

Enviar um comentário